UMA NÉVOA DE MISTÉRIO QUE PRECISA ACABAR
(Depoimento
de Viagem I – Jornal da Cidade 29/01/84 )
Conhecer
Cuba dá a sensação de comer um fruto proibido. Entretanto, essa
idéia tem que desaparecer, pois, qualquer cidadão brasileiro pode
fazer tal viagem , no gozo de seu direito de ir e vir garantido pela
Constituição para todos que tenham disponíveis um mínimo de U$
1 500 dólares . Aliás, cada vez se anuncia mais, pelas empresas de
turismo, as possibilidades dessa excursão; e é bom que se frise:
não existe qualquer tipo de constrangimento, restrição ou embaraço
para efetuá-la, tanto lá como cá.
Entretanto,
seguro morreu de velho, cuidou-se de difundir previamente entre os
amigos da excursão, para não criar mistérios desnecessários e
levantar suspeitas preconceituosas. Naturalmente , os parentes mais
cuidadosos e protetores sempre colocam tudo a perder anunciando
viagens às ruínas astecas, às praias de Acapulco e até à
Disneylândia.
Nosso
grupo, articulado pela Associação Cultural José Marti, compunha-se
de 19 pessoas entre elas dois vereadores, assessores parlamentares,
advogados, arquitetos,professores, jornalistas, uma médica e um
industrial. Os interesses eram os mais variados, desde conhecer o
ensino de matemática e a educação pré-escolar, até curtir as
famosas praias de Varadero, antigo paraíso dos magnatas americanos.
Mas, diversidade à pare, todos tinham em comum a curiosidade por
aquele povo, sua vida , sua nova sociedade, seu esforço para
consolidar o que chamam de “el primer territorio libre en América”.
O
primeiro contato com Cuba já ocorre em Lima, escala de nossa viagem.
No aeroporto desembarca do Iliutchin, da Cubana de Aviação, o
Presidente da Apra, partido de oposição no Peru, de volta de um
período de exílio e entusiasticamente recebido por seus
correligionários. O avião cubano, que faz rota regular para Lima ,
era a mostra de uma nova realidade na América Latina: a crescente
ruptura do isolamento que se impôs à Cuba para tentar abortar a sua
revolução.
No
percurso México-Havana, já feito em avião da Cubana de Aviação,
começa nossa descoberta daquele novo mundo. Primeira surpresa
(relativa) : cubanos voltando para seu país após viagem de passeio
ou serviço no México. Começa a cair a acusação de país de
fronteiras fechadas, campo de concentração de todo o povo.
O
serviço de bordo, semelhante à de qualquer linha internacional,
tinha suas peculiaridades. Frango com gosto de frango caipira;
chocolate com jeito de feito em casa; cigarros com alerta dos danos à
saúde; aeromoças com aspecto de gente comum, com salto baixo e
calça comprida.
Desembarcando
em Havana, começa nossa grande aventura. Fomos encontrar um povo que
trabalha duro, que se parece com o brasileiro (mais negros do que no
Rio de Janeiro) que gosta de dançar rumba e tomar run, que nos
pergunta de Malu, Roberto Carlos e Chico Buarque, que se orgulha de
seu espírito internacionalista, de seus heróis e de sua revolução.
Fomos encontrar um país sem analfabetos(3,9 por cento); sem
desemprego; com ensino e saúde gratuitos e assegurados à toda a
população; sem infância desamparada, sem trombadinhas e
assaltantes (3 roubos no ano de 83, em toda linha) Fomos encontrar
uma nação que tem um líder inconteste, respeitado, admirado e
venerado como se fosse ao mesmo tempo um pai, uma mãe, um Deus: “el
Comandante-en-jefe Fidel Castro Ruiz, primer-secretário del Comitê
Central del Partido Comunista de Cuba y Presidente de los Consejos de
Estado y de ministros”.
Nesta
coluna farei meu depoimento de viagem, sem pretender generalizar
simples impressões de turista. Falarei do que vi, ouvi e senti, no
contato com o povo, sem o enfoque e o rigor de um especialista , que
não sou, mas ao mesmo tempo com a sinceridade e o entusiasmo de um
curioso e interessado observador.
FAUSTO
MATOGROSSO
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