PREFEITOS: GERENTES OU LÍDERES?
Campo
Grande viveu nesses três últimos anos um período de crises na
administração municipal. Será que prefeitos mais ou menos
competentes fariam diferenças fundamentais nos resultado para a
população, especialmente naquilo que se refere ao seu
desenvolvimento humano integral?
As
crises profundas, apesar dos sofrimentos que impõem, muitas vezes
são oportunidades para enxergarmos o que ocorre nas profundezas
submersas da estrutura da sociedade.
Há
muito vivemos uma crise de financiamento do Estado, em todas as suas
esferas - nacional, estadual e municipal - e uma crise ética que se
coloca com toda a sua contundência. Déficits públicos crescentes,
aumentos de impostos, infraestrutura sucateada, serviços públicos
de péssima qualidade. Corrupção, estilos autoritários de decidir
e governar, falta de confiança nos governantes e descrédito na
política. Esses são sinais visíveis dos problemas que marcam o
tempo presente.
O
olhar para esses fenômenos sinaliza, para alguns, a discussão de
mais Estado ou menos Estado, para outros a simples troca dos nossos
políticos e escolha de gestores mais competentes. Errado: esse tipo
de Estado e esse tipo de governo estão esgotados, já não conseguem
resolver os desafios de uma sociedade que sofreu profundas
transformações, tornando-se mais complexa, mais articulada, e mais
consciente da sua autonomia. Esse é o cerne da questão.
Todo
governo tem que ter capacidade de gestão, mas isso não é
suficiente. Não é possível resolver a imensa demanda reprimida da
sociedade sem mobilizar os imensos recursos que estão fora dos
orçamentos públicos. Fora do governo existem recursos imensos
desperdiçados. São recursos, financeiros, cognitivos,
organizativos, políticos entre outros. Há que se somar toda essa
riqueza, articulando um orçamento ampliado por uma nova governança
baseada na democracia e na responsabilidade solidária.
Colocando
em termos práticos, quanto vale o eficiente trabalho da Pastoral da
Criança no combate à desnutrição infantil, quanto vale o imenso
voluntariado da cidade a serviço da solidariedade humana, quanto
vale o potencial produtivo e de responsabilidade social das nossas
empresas, quanto vale o conhecimento das nossas Universidades, o
potencial dos pequenos negócios e das organizações da sociedade
civil? Tudo isso é desperdiçado, não converge para ajudar no
enfrentamento dos desafios do desenvolvimento da cidade.
Há
que se juntar esse imenso potencial em um projeto baseado na
maximização da coesão social, na organização das
interdependências do conjunto dos atores da sociedade para produzir
níveis crescentes de desenvolvimento humano. Há que se perceber que
a sociedade política, sem a sociedade civil, já não da conta das
imensas demandas de uma sociedade democrática, complexa e articulada
em redes. Essa apartação é a fonte da nossa crise de capacidade de
governo e de deslegitimação da representação.
Nessa
visão, o governo deve ser um agente organizador das potencialidades
existentes. Essa é a experiência de regiões que trilharam caminhos
mais sustentáveis de desenvolvimento. Robert Putnam estudou e
identificou esse modelo nas cidades desenvolvidas no norte da Itália.
É dele o conceito de capital social: o conjunto formado pela
confiança social, pelas normas e redes articuladas para resolver os
problemas comuns com compromisso cívico. Quanto mais densas forem
estas redes, mais possibilidades existirão de que os membros de uma
comunidade cooperem para obter um benefício comum.
Para
cumprir esse papel novo não são suficientes gerentes. A
materialização dessa utopia possível depende de uma mudança
cultural, depende do surgimento de lideres que possam entusiasmar e
ter o crédito da sociedade. Esses líderes seriam capazes de
organizar com a sociedade um grande projeto de longo prazo, onde
houvesse a convergência ampla de interesses e fosse calçado em uma
liderança moral inequívoca.
Os
momentos de crise podem, muitas vezes, serem as oportunidades de
criação do novo. As crises são como momentos de partos, elas são
caracterizadas pela existência de uma situação em que o “velho
já morreu, mas o novo ainda não nasceu”. As possibilidades são
apenas duas, acreditar em mais do mesmo ou ousar no parto de novos
paradigmas para a gestão pública.
Apressar
a emergência de um novo estilo de liderança e de um modo novo de
governar é um dos maiores desafios contemporâneo do pensamento
progressista.
Fausto
Matto Grosso
Engenheiro,
professor aposentado da UFMS
01.12.2015